Será possível?
Digam-me que estou a delirar.
Sentei-me para organizar a papelada, tarefa que repudio e adio até ao infinito...E ela vinga-se. Cresce para mim, ameaça todo o Zen e Fen-Shui do meu espaço.
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Comprei pastas arquivadoras, modernas cheias de encaixes e rotulagem e cores para saber "quem é quem".
Dispus os molhos: contas, circulares, correio que não abri, correio que li e esqueci, correio que não interessa para nada e, claro, os malfadados quilómetros de recibos de pagamentos multibanco.
Sempre me fez confusão porque imprimem autênticos rolos de cada vez que se compra um sabonete! Ou pretendem dar emprego e rendimentos nas fábricas de celulose, ou realmente não percebo tamanho desperdício.
Deve ser para alimentar o meu ego: a minha carteira chega ao fim-de-semana inchada e gorda de tantos papéis ...nem tanto de euros...
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Depois de horas no computador a tentar organizar-me na esquecida folha de Excel, acabei fazendo algum trabalho, acabei umas actualizações que tinha pendentes e as horas lá foram passando.
Os papéis é que não...
Coragem, tem de ser.
Comecei a remexer as resmas...
Engraçado.
Ainda não tinha nem arquivado os papéis do processo de divórcio.
Estão ao molho, numa pasta de cartão cor-de-rosa que "pediste emprestada" na empresa onde trabalhas (ou trabalhavas), alguns meio dobrados e fora de ordem.
O nosso cérebro tem têndencia para esquecer o que não lhe interessa...
Ainda nem tinha lido o pomposamente chamado "Auto".
Sim, que temos direito a uma proclamação, solenemente debitada de viva voz, por uma mecânica funcionária do cartório, enquanto o Conservador disfarça o aborrecimento da monotonia.
O pobre e apodrecido mental funcionário público ia-se esquecendo de me perguntar se estava de acordo... E diz a lei que "...o Conservador tentará reconciliar as partes desavindas..."
Pois!
Só faltou correr connosco, que estava quase na hora do almocinho, não era mais um lar dividido, uma família desfeita, um casamento fracassado que o iria atrasar...
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Mas o que me divertiu foi uma frase de el-Rei Conservador: "...decreto o divórcio, ficando consequentemente o casamento dissolvido."
Casamento dissolvido?
Em água, leite, mel ou fel?
No diluente das lágrimas, da solidão, da tristeza?
Na bruma do tempo?
Na congeminação de famílias hostis?
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Um casamento acaba, termina, finito.
Mas dissolvido?
Uma coisa que se dissolve é uma coisa que apenas se divide em muitos bocadinhos, mas continua lá...
Continua na casa, nas memórias, no vazio que persiste quando cada um segue o seu caminho...
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Ironia das ironias: chama-se "Conservador" à criatura que "dissolve" o casamento...
Marriage is a matter of more worth
Than to be dealt in by attorneyship.
(Shakespeare, 1 Henry VI 5.5.50-1)