" Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higeia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes.
Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva.
Conservarei imaculada minha vida e minha arte.
Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam.
Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.
Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.
Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça."
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Qual juramento de Hipócrates, qual quê!
Não deve haver profissão mais bizarra em Portugal.
Contradições entre o "dever" e o "é assim".
Lamento senhores doutores, mas hoje estou zangada com a classe.
Descobri muito estupefacta, que a figura a que temos de chamar "Médico de Família" tem um poder sobre os nossos destinos, maior do que alguma vez pensei.
Felizmente, raras foram as vezes em que tive de usar o Serviço Nacional de Saúde - se é que ainda se chama assim.
Hoje foi uma dessas vezes. Ou melhor, ontem, que desde o dia de ontem que ando atrás da figura.
Como se trata de um documento que só o senhor doutor médico de família pode passar, e não tinha consulta marcada, passei ontem pelo centro de saúde para levar um "o senhor doutor foi almoçar e à tarde só atende grávidas".
Pronto, está bem, é meio-dia paciência. Volto cá amanhã de manhã.
- "Vamos ver se o doutor recebe a senhora. Em Novembro vamos abrir a marcação de consultas para Dezembro."
Estupefacta! Pasmada! E outras figuras de espanto...Então, se uma pessoa precisa da chamada "baixa" e tem 5 dias para a apresentar na entidade laboral...como se pode aguardar até Dezembro?
Alguém explica?
- Tente passar por cá amanhã mais cedo.
Tente?
Sem marcação, sem registo do pedido e com idosas filas de utentes para a consulta, que cerram fileiras à porta do centro de saúde, ainda o Sol não se adivinha no horizonte?
Resignei-me. O interesse era meu.
Mas cá dentro, ficou-me uma raivinha surda. Então agora uma pessoa tem de adivinhar que vai precisar de uma assinatura do senhor doutor com mais de um mês de antecedência?
Hoje lá me arrastei para o meio da mole de idosos, que têm todo o tempo do mundo mas querem ser os primeiros atendidos como se esse tempo lhes fugisse...
Esperei, esperei e esperei.
Quando já só restavam duas pessoas na sala, entra uma senhora carregada de papéis. Curiosamente, conseguiu a tão difícil entrevista com o doutor.
Voltou à sala de espera, deixou cair os papéis e eu, ingenuamente ou por uma educação que já não se usa, fui ajudá-la pensando que era uma doente.
- Muito obrigada. Não se incomode. Que maçada, ainda tenho de voltar lá dentro.É que eu sou dona de uma farmácia e vim aqui com estas receitas para o doutor me resolver umas coisas ."
Nem queria acreditar.
Então eu estava há horas à espera e a dona-de-farmácia passou por toda a gente por um assunto de receitas?
E com todo o à-vontade do mundo, voltou a entrar para o gabinete!
O pior estava para vir.
Despachada a farmacêutica, o doutor pespegou-se ao telefone. Falou do almoço e blá-blá-blá.
Olhou para mim especada à porta do gabinete e vociferou-me:
-Hoje não atendo mais ninguém.
E foi em vão que lhe disse que só precisava de uma assinatura, que era uma questão de segundos.
Mas a prepotente criatura, irredutível.
-E já não pode estar aqui que eu fechei as consultas por hoje. Não estava marcada, paciência.
Em desespero de causa e pouco habituada a ser tratada com tamanha arrogância, ainda lhe perguntei se o meu tempo de utente tinha sido consumido pela dona de farmácia.
A criatura limitou-se a vestir o casaco e a sair placidamente do gabinete, atirando-me:
- E não venha amanhã, que não estou cá.
Esta agora! E eu? Com o fim-de-semana pelo meio, o senhor doutor não sabe que fica complicado em termos laborais?
Com que direito se recusa a receber uma pessoa que não adivinhava que ia precisar dele?
Escusado será dizer que fui directa à administração.
De nada serviu. O piso estava deserto, a hora de almoço é sagrada.
Quando finalmente apareceu alguém, foi para me dizer que não podia fazer nada. O médico estava ao serviço, portanto, nem se podia pedir a um colega que o substituísse e me passasse o papel que precisava!
- Está ao serviço, mas não está disponível!
- Pois, mas como está ao serviço, não podemos fazer nada. Se estivesse de férias era diferente.
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Devolvam os meus impostos!
Pago e não sou servida e ainda tenho de aturar a prepotência do médico de família?
Pelo menos dêm-me uma alternativa.
Porque raio tem de ser uma pessoa que nunca se vê, a única a ter o poder de decisão absolutista acerca da saúde ou doença de um trabalhador?
Pensam que é assim que evitam os abusos?
Eu é que me sinto abusada !